sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Ser Humano Completo de Wallon - Parte 2



No artigo e vídeo anteriores falei que gosto bastante de Wallon e para reafirmar isso resolvi aprofundar um pouquinho mais em sua visão; acho que ele é pouco refletido principalmente no contexto escolar, vejo que a escola poderia ser muito melhor se o levassem em consideração, se bem que na verdade acho que são muitos os autores a ser levados em consideração, não como técnica ou método, mas como informação sobre como lidar com o ser humano em formação, compreendendo as fases naturais de maturação e desenvolvimento humano,  biológico e psicológico.

Então estamos aqui para uma continuação da psicogênese da pessoa completa de Wallon.

Wallon afirma que a construção do eu corporal é a condição para a construção do eu psíquico e isso começa a ocorrer a partir do segundo ano de vida, mais ou menos por volta do terceiro ano a criança entra em oposição a praticamente tudo o que o adulto oferece a ela, é a fase no não, nesse momento essa criança está se diferenciando do outro e do meio ambiente.
Aqui a criança passa a se reconhecer como diferente do outro e do ambiente em que vive, pois desde o ventre materno essa criança vive meio que em simbiose, a princípio com a mãe e depois com as pessoas ao seu redor, inclusive com seu meio ambiente e objetos que a cercam.

Nessa fase de diferenciação é muito importante que a criança perceba-se bela e amada, pois ela está construindo a sua autoimagem e percepção corporal dando início a sua formação  psíquica, ou seja, quem se é, e para se reconhecer e se perceber no futuro como uma pessoa inteira, de bem consigo mesma e pertencente à algum lugar é nessa fase que devemos dar ênfase as qualidades e percepções sobre si.

A fase do não existe para justamente para que haja compreensão do que 'eu' quero para o que o outro quer. Mesmo que a criança queira o que está sendo oferecido a ela, a princípio ela responde não, exemplificando: Quer almoçar? - Não! Mas você deve estar com fome, já é horário do almoço, quer almoçar? - Não! Hummmm, eu fiz batatinha que você gosta. - Tá bom, batatinha!

Essa crise de oposição volta a ocorrer na adolescência de outra forma, essa fase apoia-se em argumentos intelectuais e nos aspectos emocionais, o jovem sente a vida intensamente, mas consegue refletir e argumentar sobre o que sente. Essa fase ocorre quando o jovem precisa reconstruir a sua personalidade, preparando-se para ser adulto, ele expressa seus sentimentos com todo o corpo, lembrando que nessa fase seu corpo está fervilhando com os hormônios e as mudanças, preparando-se para a reprodução e amadurecimento.
Nesta fase mímicas, gesticulações, gritos, altas gargalhadas e movimentações físicas, fazem parte do cotidiano do jovem adolescente, que está reconstruindo a sua identidade, é como se tudo o que recebeu do mundo (dos pais, família, escola e comunidade) até aqui, fossem postos a prova e esse jovem precisa reorganizar essas informações para consolidá-las ou renová-las.

Passa a amar o desconhecido e as novidades do mundo, é como se uma grande porta se abrisse e ele percebesse que o mundo é muito maior do que era antes, somando-se a intensidade dos sentimentos e hormônios, tudo o que está do lado de fora se torna, por demais, atrativo .
Para Wallon esse período confere ao jovem uma capacidade de representar mentalmente uma pessoa, uma cena ou uma situação é ampliada de tal modo que o limite entre o real e o imaginário torna-se bem pequeno. A criatividade está altamente favorável.

Sendo essa uma fase de muita curiosidade e descobertas é de se pensar normal ser uma fase de oposição, pois descobre um mundo bem maior do que o que lhe foi oferecido até então, que existem coisas diferentes a serem descobertas e provadas e que pode ser que ele prefira outras vertentes que não somente aquilo que lhe foi oferecido. Existe um lado muito positivo nessa fase que se abre para o conhecimento de outras culturas e pessoas, ampliando os conhecimentos e possibilidades, ainda mais na atualidade, mas há também as curiosidades negativas como a curiosidade para as drogas e outras situações.

Creio que de posse dessas informações é possível diminuir os conflitos entre adultos e adolescentes, bem como em sala de aula.

No que tange a afetividade, para Wallon as emoções são reações organizadas e que atuam sobre o sistema nervoso central, principalmente no primeiro ano de vida. Os adultos por exemplo costumam utilizar o pensamento antes de reagir a alguma emoção, ou seja, existe uma ponderação, que a meu ver passa pelas experiências, por toda uma aprendizagem já construída na vida, ponderando a necessidade de reação.
Lembrando que mesmo no adulto nem sempre isso ocorre, há emoções que são reativas de imediato, não há tempo hábil para refletir, como numa situação de susto intenso.
Sendo assim, as emoções estão relacionadas ao próprio ser, ou seja, ao corpo físico.

As emoções são acompanhadas de alterações orgânicas como aceleração dos batimentos cardíacos, mudanças no ritmo da respiração, dificuldades na digestão, secura na boca, etc, além de alterações faciais e posturais e na execução dos gestos, perceptível para quem os vê, ou seja, todas as emoções estão vinculadas as alterações do tônus muscular.

Com a evolução das etapas, o recurso da fala e a representação mental no indivíduo faz com que as reações afetivas possam ser provocadas por situações abstratas e ideias, e ser expressas por palavras e não somente por atuação muscular. É a linguagem em benefício da afetividade.

Neurologicamente falando, a função tônico-postural é responsável pela regulação da musculatura e está a serviço da expressão das emoções e atuam também como produtoras de estados emocionais criando assim um estado de reciprocidade entre o movimento e a emoção.
Outro ponto importante sobre a postura emocional do corpo é que essa atividade do tônus muscular permite que tenhamos consciência do nosso próprio estado emocional e do outro também.

Wallon afirma ainda que a emoção é a forma primária do indivíduo de adaptação ao meio e mais a frente tende a ser suplantada pelo intelecto. O intelecto é objetivo e as emoções podem afetar essa objetividade e diminuir o desempenho intelectual devido a subjetividade emocional.

A meu ver o ser humano sempre sente primeiro, mesmo na fase adulta, mas a partir da adolescência passa a modular esse sentir através do refletir, capta pela emoção e a pensa, argumenta consigo mesmo e depois transforma em palavras ou gestos, comunicando, expressando esse sentimento já pensado. Lembrando que se a emoção for intensa ou a partir de um susto, por exemplo, a resposta física é imediata;
E, além de ter como primeira porta para o mundo o sentir, desde o útero já existe conexão com o cognitivo, não de forma consciente, mas tudo o que é sentido já é registrado pelo cognitivo para que se crie uma rede neuronal dessas experiências e sensações que com o tempo serão conscientes pelo indivíduo.

Heloisa Dantas diz que a razão nasce da emoção e vive da sua morte.
Vejo que essa frase resume bem o 'pacote' de explicações de Wallon nesse momento.

A linguagem é o instrumento e o suporte indispensável aos progressos do pensamento. A linguagem exprime o pensamento ao mesmo tempo que age como estruturadora do mesmo.
O impacto da linguagem sobre o desenvolvimento do pensamento e da atividade global da criança é imenso.

Pensando na motricidade, que para Wallon é a expressão física da afetividade, podemos afirmar que a atividade muscular existe mesmo sem deslocamento do corpo no espaço. A musculatura possui função cinética (movimento) e função tônica (postural) determinado pelo tônus muscular, ou seja, atua sobre si mesmo, através de grupos musculares que se contraem e relaxam sustentando a postura.
É nesse momento que minha outra área de atuação profissional, a fisioterapia fala por experiência, a postura do sujeito fala muito sobre o que se passa internamente em seus processos psíquicos, não só fala, mas deixa marcas registradas como vícios posturais, ou seja, sempre que o indivíduo for pensar sobre a sua vida financeira, por exemplo, ele adquire a mesma postura de reflexão, ou sempre que for ler o jornal tem uma postura adquirida para esse momento também.
O indivíduo consolida certas posturas para certos tipos de reflexões, o que infelizmente pode levar a lesões consideráveis no corpo, como escolioses, dentre outras.

Resumindo a motricidade é a expressão através do corpo do que ocorre nos processos internos do indivíduo, tanto no âmbito afetivo como racional, sendo assim, temos a noção de que não somente o fator intelectual que ativa a cognição, mas a emoção, a postura e o movimento também, tanto no movimento de dentro para fora, como de fora para dentro.

Wallon dá o nome de disciplinas mentais para o momento em que o indivíduo passa a ter o controle voluntário dos movimentos através do pensamento, do seu querer realizar, ocorrendo por volta dos 5 aos 11 anos. E afirma que a escola  é muito importante na consolidação das disciplinas mentais, ou seja, nesse refinamento humano que sai da instabilidade do psicomotor para os atos mentais onde o movimento é pensado.
Sendo bem nessa fase que a escola precisa atuar de forma mais equilibrada sobre a psicomotricidade

A psicogênese da pessoa completa de sua teoria suscita uma prática que atenda as necessidades da criança nos planos afetivo, cognitivo e motor e que promova o seu desenvolvimento em todos esses níveis.

A ótica walloniana constrói uma criança corpórea, concreta, cuja eficiência postural, tonicidade muscular, qualidade expressiva e plástica dos gestos informam sobre os seus estados íntimos. Supõe-se que a sua instabilidade postural reflete nas suas disposições mentais, que a sua tonicidade muscular dá importantes informações sobre seus estados afetivos.
O movimento é um fator ativo para a aprendizagem em todas as idades, sendo a imobilidade mais um obstáculo do que um benefício.

A atenção e concentração também são possíveis no movimento, pense numa criança brincando e totalmente absorvida pela situação, em total concentração, ela brinca em movimento e está concentrada, pegue essa mesma criança e a coloque sentada olhando para algum objeto de estudo, provavelmente perderá o interesse rapidamente e não ficará concentrada.
Em muitos casos são as variações posturais que permitem a manutenção da atenção na atividade.
Aristóteles nascido a quase 3.000 anos atrás criou um método para suas aulas, chamado de aulas peripatéticas, onde caminhava com seus alunos enquanto explicava, pois para ele o fluxo dos pensamentos fluia melhor.

O meio escolar é muito importante para apoiar as diferentes etapas do desenvolvimento e deve ser muito bem explorado. A escola deve planejar suas atividades não só pelo tema, mas pela extensão do seu espaço, planejando e pensando na necessidade de cada fase do ser.

É bom lembrar, que a escola ao possibilitar uma vivência social diferente do grupo familiar, desempenha um importante papel na formação da personalidade da criança. Quanto maior a diversidade de grupos de que participar, mais numerosos serão seus parâmetros de relações sociais, enriquecendo sua personalidade.
Vejo que nesse caso, essas relações a princípio devem ser mediadas, um adulto consciente mediando as diversidades sociais para o enriquecimento dos grupos, ou seja, para que todos os grupos absorvam esse convívio social de forma positiva.

Assim como Wallon dizia, é necessário buscar apoio nas mais diversas áreas do conhecimento humano para oferecer suporte a pedagogia e educação, e não somente na psicologia. Felizmente é preciso ir além quando se trata da lide com o outro, principalmente porque seres estão sendo formados através de toda a experiência que vivem, estímulos positivos bem pensados, podem reconstruir uma nação; e agora me apoiando um pouco em Freud, o exercício da pedagogia e da arte de ensinar, não é para qualquer pessoa, até porque pode ser considerada uma tarefa impossível, pois envolve muito amor, conhecimento e esvaziamento de si.


Espero que tenha me feito compreender, até a próxima (:




Ausência de comunicação na família e os reflexos na convivência social

ANAIS DO CONGRESSO INTERNACIONAL MOVIMENTOS DOCENTES Volume VI – 2021  pg. 733 ISBN: 978-65-88471-34-0 DOI: 10.47247/VV/MD/88471.34.0   RESU...