terça-feira, 1 de março de 2022

Ausência de comunicação na família e os reflexos na convivência social

ANAIS DO CONGRESSO INTERNACIONAL MOVIMENTOS DOCENTES Volume VI – 2021 pg. 733

ISBN: 978-65-88471-34-0 DOI: 10.47247/VV/MD/88471.34.0 


RESUMO 


Esta pesquisa é decorrente da prática de estágio profissionalizante em processos educativos do curso de Psicologia, no qual se verificou a dificuldade de comunicação dos alunos de Educação Básica em uma escola privada de São Paulo, e duas escolas da Etec do Centro Paula Souza. A queixa de pais e professores, evidenciam problemas na comunicação das crianças e adolescentes, e as observações na prática do estágio profissional identifica necessidade de acolhimento, de escuta ativa por parte dos alunos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico, com intervenção psicoeducativa. Na coleta de dados foi utilizada a observação das aulas on-line, e foram aplicadas oficinas psicoeducativas para a intervenção com os alunos. Cumpre observar que as aulas no primeiro semestre de 2021 foram on-line por decorrência da pandemia, e a prática do estágio profissionalizante também se desenvolveu na modalidade on-line. As oficinas de intervenção psicoeducativas foram desenvolvidas com rodas de conversa, debates temáticos, reflexões a partir de vídeos e letras de músicas, dinâmicas interativas, além de momentos individuais, para orientação psicoeducativa solicitados pelos próprios alunos. A coleta de dados também utilizou um questionário on-line elaborado no google drive, que foi respondido pelos alunos após a participação nas oficinas. A análise de dados utilizada foi a análise de categoria, a partir das observações durante as oficinas psicoeducativas, com relatos de alunos evidenciando a queixa inicial da ausência de comunicação entre pais e filhos, bem como da dificuldade de expressar dificuldades pedagógicas, afetivas, pela ausência de diálogo. A pandemia vem evidenciar um problema que vem ocorrendo nos últimos anos: a necessidade de desenvolvimento das competências socioemocionais, e a comunicação é uma das dificuldades sinalizadas na queixa escolar por parte dos pais e professores. 

Palavras-chave: ausência de comunicação; convivência; educação. 




INTRODUÇÃO 


O presente trabalho e resultado da prática do estágio profissionalizante do curso de Psicologia numa Universidade privada de São Paulo, em escolas de Educação Básica e Ensino Técnico profissionalizante; uma escola privada na zona norte da cidade de São Paulo de Educação Básica e duas Escolas Técnicas Estaduais - Etecs do Centro Paula Souza, vinculadas a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. 

A práxis do estágio profissionalizante teve como foco o olhar do Psicólogo Escolar, que numa perspectiva preventiva decorrente de observações, oficinas interativas, rodas de conversa, atendimentos individuais, orientações familiares, identifica uma preocupação por parte dos pais e dos professores: sintomas que se apresentam em casa e na escola, como a restrição nos processos de comunicação entre alunos, alunos e professores, pais e filhos, sendo então o objeto de estudo desta pesquisa. Evidencia-se a ausência da comunicação como preocupante, pois vem comprometendo a convivência social. 

Cumpre observar que a ação dos estagiários nas escolas referidas, foi on-line, uma vez que tanto as Etecs como a escola privada, por conta da COVID-19, mantiveram as aulas on-line, no primeiro semestre de 2021. 

Para atender à solicitação da escola de desenvolver as competências socioemocionais, e promover espaços para priorizar a comunicação, foram desenvolvidas oficinas interativas sobre comunicação e afetividade; as oficinas interativas tinham como proposta vivências coletivas, lúdicas, músicas e atividades pautadas na Arteterapia. O objetivo era possibilitar a convivência psicossocial, incentivando a participação individual. Pois de acordo com URRUTIGARY (2011), o resultado da Arterapia não está vinculado aos padrões estéticos culturais e por isso promove o desenvolvimento psicológico. Oferece ao sujeito um meio em que possa reconhecer os seus padrões e objetiva que o indivíduo consiga lidar com seus conteúdos internos indo na direção do equilíbrio. As artes nos permitem, por meio do simbólico, exprimir os segredos mais profundos da alma, constituindo assim, uma verdadeira medicina da alma (DUCHASTEL, 2010). 

MCGUINNESS (2006 p. 9) demonstra em seu trabalho a importância dos estímulos para o desenvolvimento e do entendimento daquilo que se ouve para que haja a produção da fala. É preciso ter o material biológico/genético bem desenvolvido e a interação verbal com o meio, ouvindo as palavras e ofertando o significado das mesmas, pois uma palavra solta sem contexto e significado é apenas um símbolo, o conteúdo que ela (a palavra) carrega é que vai atribuir o estímulo necessário para haja desenvolvimento linguístico. 

Estímulos para o desenvolvimento biopsicossocial é a essência da aprendizagem, que atualmente pode ser comprovado com certo grau de requinte pela neurociência, os autores COSENZA E GUERRA (2011p. 38), conceituam a aprendizagem como consequência de uma facilitação da passagem da informação ao longo das sinapses, local onde ocorre a passagem da informação entre as células. (p. 13). 

CHOMSKY (2018 pg 4 e 5), afirma que a linguagem que o sujeito recebe de seus pais ou cuidadores pode ser dada como inata e faz parte de um esquematismo organizado pelas estruturas do sujeito aprendente mediado pelos tutores. O desenvolvimento desses esquemas leva o indivíduo a desenvolver a linguagem que além do básico da comunicação também serve para expressar o que pensa e sente, Chomsky denomina esse conjunto de esquematismos e princípios organizadores inatos que guiam nossos comportamentos intelectual, emocional e social, de natureza humana. 

Segundo FOUCAULT (2014) em sua aula inaugural no Collège de France em 1970, a instituição existe para mostrar que o discurso está na ordem das leis, e dela própria advém o poder, que determina a voz de uma época, o que se pode fazer e falar, caso contrário a interdição se apresenta. E como ocorre no poder maior do Estado, essa interdição também acontece nas relações familiares, uma instituição menor que o Estado, mas que se espera que por meio dela, sejam perpetuadas as regras de conduta de determinada época. O discurso manifesta o desejo e simultaneamente oculta o objeto de desejo. Ele não é apenas o que se pode traduzir pelos sistemas de dominação ou pelas gerações anteriores que repassam as regras, mas também traduz aquilo que queremos nos apoderar. É na manutenção da censura que se escuta o discurso do desejo, e que institucionalmente é visto como poderoso.

Dessa forma, se fala mais através daquilo que não se permite falar do que pelo discurso propriamente dito. Em tese, não temos controle de como nosso aprendizado irá se dar e muito menos temos controle daquilo que vamos apreender e compreender a partir do nosso nascimento, com isso desejamos aprofundar o quanto aquilo que vivemos em nosso dia a dia nos direciona para que determinadas experiências solidifiquem certas crenças e percepções que podem condizer ou não com nossos desejos. Não é preciso ser psicólogo para saber que nem sempre nos dirigimos na direção dos nossos desejos, que em muitos momentos queremos algo, mas agimos na direção contrária. Desejar fazer não é suficiente para ir nessa direção, é necessário que todos os fatores já apresentados aqui sejam ativados para que se torne realidade. 

Compreendemos que a maneira humanista de ROGERS e FARSON (2014) de pensar a escuta ativa é a de que ouve o que não se diz explicitamente, pois exige que o ouvinte permaneça focado no discurso do outro a fim de compreender as reais necessidades desse discurso, e para isso é preciso ter responsabilidade com essa escuta ativa, sabendo que o papel desempenhado nessa escuta é o que irá conduzir esse diálogo para os melhores resultados. A escuta ativa é um importante caminho para que as pessoas realizem as mudanças necessárias em sua vida. Aplicamos a escuta ativa de Carl Rogers à vontade consciente de fala dos alunos, e para acessar o significado simbólico dessa relação desejo x falta, ofertamos por meio das oficinas a Arteterapia que forneceu acesso rápido as significações simbólicas dos participantes. 

O grupo de alunos se apresentou colaborativo enquanto coletivo, demonstrando o que ROGERS (2020 p. 58), explica sobre unidade a partir da individualidade nos processos em grupo, que é a partir da tendência que cada um tem de usar as oportunidades para tornar-se tudo aquilo que pode se tornar, vivencia a individuação e a diversidade, e com isso eleva o nível do grupo a uma unidade de consciência. Pelas trocas no grupo, uma pessoa encontra coragem para se expressar, outra pessoa percebe que consegue encarar novas maneiras de viver um momento difícil, outra têm insights que lhe permitem amadurecer, outros adquirem novas habilidades interpessoais, outros se percebem mais conscientes de si e dos outros. Ou seja, é por intermédio da escuta ativa, da mediação consciente e da valorização do indivíduo que o Psicólogo pode harmonizar e valorizar a diversidade em um grupo terapêutico. Se faz necessário lembrar que para se chegar ao processo destacado é necessário que o terapeuta desenvolva a compreensão empática tentando compreender o significado exato daquilo que a pessoa está comunicando, por meio de questionamentos sobre a nossa compreensão daquilo que foi dito, por alguns retornos a falas específicas do sujeito, perguntando sobre significações específicas da própria pessoa. Pensamos que é como uma ponte entre nossas significações e as do sujeito, fazendo-se valer ao final de uma harmonia entre toda simbolização e a consciência. (ROGERS, 2019). 



FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 


O referencial teórico utilizado nesse estudo foi a abordagem humanista de ROGERS (2014), que estreita a relação entre as desadaptações emocionais e os obstáculos encontrados na comunicação, conferindo que a pessoa emocionalmente desadaptada rompeu a comunicação consigo e por consequência dessa ruptura terá prejudicada a comunicação com o outro. Nesse sentido, Rogers defende que o acolhimento terapêutico é capaz de ajudar a pessoa a recuperar a comunicação consigo próprio, melhorando por consequência a comunicação com o outro. Afirma também que uma boa comunicação interna e externa é sempre terapêutica, e que um dos grandes impeditivos da clareza na comunicação é a nossa tendência natural para julgar, aprovando ou desaprovando as condutas, comportamentos e aparência dentre outras possibilidades, levando-nos a perceber o mundo do outro pelo nosso ponto de vista, sem noção de referência do outro, pressupondo o que o outro pensa, sente e faz sem questionar a veracidade. A partir disso as emoções e sentimentos se intensificam e a comunicação aparece carregada de emotividade.


 

METODOLOGIA - DESENVOLVIMENTO 


Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico. Os participantes da pesquisa foram alunos de uma escola privada de Educação Basica, e duas escolas Tecnicas das Etecs do Centro Paula Souza. 

Para a coleta de dados foi utilizada a observação e a intervenção psicoeducativa na modalidade online, em decorrência da pandemia; nas intervenções psicoeducativas foram organizadas oficinas interativas que possibilitaram o uso das seguintes ferramentas: rodas de conversa, Arteterapia, reflexões com vídeos e músicas e debates de temas geradores, dinâmicas de grupo, atividades lúdicas. O referencial teórico utilizado para a análise de dados foi a abordagem humanista de Carl Rogers. 

As oficinas tinham por proposta estimular a expressão das emoções e melhorar o processo de comunicação. Os temas das oficinas psicoeducativas focaram sobretudo a saúde emocional e a comunicação, e no como ambas caminham lado a lado. 

A coleta de dados utilizou também de um questionário on-line elaborado no Google drive que foi aplicado para todos os alunos participantes das intervenções. A análise de dados utilizada foi a categoria de análise a partir das observações das intervenções nas oficinas, que possibilitou a compreensão do processo de comunicação que se evidencia na fala dos alunos cotidianamente. Os resultados tabulados por análise de categoria indicam que as oficinas possibilitaram a expressão de emoções, sentimentos e dúvidas, diminuindo ansiedade e o sofrimento psíquico dos alunos. 



RESULTADOS E DISCUSSÃO 


A análise de dados elaborada a partir das observações feitas nas oficinas virtuais e pela tabulação do questionário aplicado virtualmente, nos permitiu compreender que a queixa inicial dos pais e professores quanto as mudanças comportamentais das crianças e adolescentes, como alteração da rotina de sono, ansiedade, agitação, tristeza, excesso ou ausência de fome, dentre outros sintomas, eram reflexos da ausência de comunicação entre seus pares e entre os familiares) e resultado da ausência de convivência e comunicação na família. 

Durante as rodas de conversa e oficinas, foi possível identificar que a maioria dos alunos sente necessidade de ser ouvido, pois no cotidiano da vida familiar a convivência é muito restrita, muitos comportamentos acontecem no automatismo dos deveres diários. Hoje, com a interferência da pandemia, a maioria das famílias está convivendo 24 horas por dia no mesmo ambiente. Muitos são os pais trabalhando em sistema de home office graças a tecnologia, que passou a fazer parte integrante da família, como meio de comunicação necessário para adultos e crianças que interagem com a escola, amigos e familiares, da mesma forma. A tecnologia da comunicação foi normatizada, porém o olho no olho e a conversa com os filhos foi perdendo lugar. Se faz importante complementar que em alguns casos essa comunicação foi diminuida ou excluída das relações familiares por causa do luto, seja por morte ou por separação do casal. 

Os dados da tabulação do questionário corrobora com a análise evidenciada nas observações das oficinas psicoeducativas. 100% dos alunos responderam que as oficinas psicoeducativas foram importantes para o desenvolvimento pessoal; 82% responderam que as oficinas contribuíram para que pudessem desabafar, expressar sentimentos, se comunicar melhor, ser ouvido e desenvolver empatia; 82% dos respondentes evidenciaram a importância de expressar sentimentos, falar da vida, ser ouvido, comunicação e diálogo. Sobre o que consideraram importante nas atividades realizadas para o aprendizado individual, a maioria respondeu ( 65%) que levam como aprendizado a importância do diálogo e comunicação e a importância de expressar o que sentem, compreendendo que as pessoas não têm como saber o que se passa dentro deles e nem eles tem como saber o que se passa dentro das pessoas, sem que haja diálogo e comunicação, e ainda que o questionamento deve fazer parte da conversa, pois a compreensão de determinados eventos e sentimentos pode ser único para cada um. 

Na pergunta o que mais gostou nas oficinas, os resultados evidenciam que os alunos estavam carentes por momentos de fala e escuta, expressar os medos e dores emocionais foi bastante evidenciado juntamente com a busca em compreender o significado do que sentiam e acontecia em suas vidas (89%). 

No decorrer das intervenções observamos que alguns alunos apresentavam necessidade em estar no centro das atenções, falando concomitantemente, como numa competição, tamanha a necessidade de falar e ser ouvidos. Sentiam grande necessidade de acolhimento a fim de relatar as dores emocionais, medos, e sofrimentos ocorridos na pandemia. Relatavam com frequência a saudade que sentem do espaço escolar, afirmando que era o único lugar que mantinham relacionamentos sociais, participando do convívio com pessoas diferentes, conversando e ouvindo. 

Após análise do questionário on-line foi evidenciado que o diálogo que outrora aconteceria com pais e cuidadores, no processo educativo familiar, não está acontecendo, mesmo com a maioria dos familiares trabalhando em home office nesse período de pandemia, ou seja, estamos diante de um processo de ausência de comunicação na família. Durante a orientação com uma mãe, foi questionado a falta de aproximação e diálogo com a filha de 13 anos, ela respondeu que a filha sabe de tudo, pois encontra todas as respostas na internet, e infelizmente ela não tinha mais tempo, pois havia se separado e agora as responsabilidades haviam dobrado. 

A análise de dados permite verificar que a comunicação entre pais e filhos, principalmente no Ensino Fundamental II reduz drasticamente, até o momento que pode vir a total ausência de trocas significativas, sobretudo na dimensão da convivência humana, que faz parte das prioridades do processo formativo na Educação Básica. (DEL PRETTE, 1999). Os alunos do Fundamental II e Ensino Médio, se encontram em isolamento social além das prioridades pandêmicas, causado pela ausência de comunicação real e siginificativa, culminando em sintomas percebidos pelos próprios pais e pelos professores, citamos: a apatia, silenciamento e afastamento, ausência de trocas na convivência diária com seus pares. O resultado é que as trocas calorosas e significativas são necessárias para a compreensão de si e do outro, compreensão essa que se inicia com as trocas dialógicas, próprias da comunicação. 



CONSIDERAÇÕES FINAIS 


No decorrer do estágio e durante o percurso de análise dos dados, ficou evidente que as habilidades socioemocionais necessárias para viver em sociedade estão em prejuízo nesse momento, o que nos leva a refletir na possibilidade de haver dificuldades significativas no desenvolvimento biopsicossocial das crianças, adolescentes e jovens dessa época de pandemia, a curto, médio e longo prazo. As reflexões são voltadas para a realidade sócio-educacional do nosso país, que desde as primeira incursões pedagógicas, de acordo com SAVIANI (2013), é convencionalmente uma pedagogia da exclusão e expressivamente objetivada no neotecnicismo voltado para as massas. 

Mediante o exposto, fica o questionamento da necessidade da Psicologia da Educação transformar o olhar sobre sua atuação tanto na escola quanto junto ao escolar. Como podemos atuar para que as relações sociais desenvolvidas na escola seja significativa a ponto de contribuir para a boa comunicação interna e externa dos sujeitos a fim de trazer resultados potencialmente positivos e baseados na reflexão crítica? 



REFERÊNCIAS 


CHOMSKY, Noam. Natureza humana: justiça vs poder: o debate entre Chomsky e Foucault. Editado por Fons Elder. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019. 

COSENZA, Ramon M., GUERRA, Leonor B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011. 

DEL PRETTE, Z. A. P., e DEL PRETTE, A. Psicologia das Habilidades Sociais – terapia e educação. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1999. 

DUCHASTEL, Alexandra. O caminho do imaginário: o processo de arte-terapia. São Paulo: Paulus, 2010. 

FOUCAULT, Michel, 1926-1984. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 02 de dezembro de 1970. 24ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2014. 

MCGUINNESS, Diane. Cultivando um leitor desde o berço: a trajetória de seu filho da linguagem à alfabetização. Rio de Janeiro: Record, 2006. 

ROGERS, Carl R. e FARSON, Richard E. Active Listening. Manfield Centre-USA: Industrial Relations Center-University Of Chicago, 2015. 

ROGERS, Carl R. Grupos de encontro. 9ª edição, 2ª tiragem. São Paulo: Editora WMF Martins-Fontes, 2019. 

ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa. 6ª edição - 5ª tiragem. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014. 

ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. Reimpressão. São Paulo: E.P.U., 2020. 

SAVIANI, Demerval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4ª edição. Campinas: Autores Associados, 2013. 

URRUTIGARY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. 5ª edição. Rio de Janeiro: Wak, 20111. 



O papel da arte-educação no desenvolvimento da subjetividade nas relações socioemocionais.

DOI:10.34117/bjdv8n1-074 

Recebimento dos originais: 07/12/2021 

Aceitação para publicação: 07/01/2022 


Simone Simões da Silva 

Formação em Psicologia, Fisioterapia e Pedagogia. Especialização em Psicopedagogia Clínica Institucional e Escolar. 

E-mail: fisio.simoes@gmail.com 




RESUMO 


Esta pesquisa nasce do interesse na arte como ferramenta para a educação psicossocial seja no âmbito escolar, social ou familiar; e sua participação para o autoconhecimento e autopercepção, facilitando a compreensão de bloqueios, comportamentos, material simbólico e quaisquer situações conflitivas ao sujeito, que possam impedi-lo de exercer suas potencialidades. O objetivo geral é compreender o quanto a arte pode contribuir para a comunicação pessoal e interpessoal no processo do desenvolvimento humano, e o específico, a atuação na aprendizagem e na sua construção histórica. A pesquisa se fundamentou por pesquisa bibliográfica voltada a disciplinas que se justificam no sujeito histórico, como a psicologia, a arte e expressão e a filosofia. É através do senso estético, desenvolver nossas atividades cotidianas, desde a roupa que vamos vestir ao ambiente que estamos inseridos, utilizamos a sensibilidade e a percepção voltado ao estético. Com tais descobertas, a discussão se volta a hipótese em utilizar essa sensibilidade a favor do desenvolvimento interpessoal e intrapessoal, desenvolvendo a percepção de si, do outro e do entorno, seja pelo jogo de palavras numa poesia, pela figura de linguagem nas letras de uma música, pela inquietação emocional causada pela fotografia, pela construção do senso moral em uma animação ou ainda na produção de um desenho como via projetiva de conteúdos inconscientes. São várias formas de comunicação e linguagem, para as múltiplas maneiras de entendimento e compreensão humanas. Conclui-se que a arte é de extrema importância para o desenvolvimento das estruturas sociais, projetando-se no social o que é próprio da sociedade de tempos anteriores e do vigente, para se projetar no devir. A arte pode ser mediadora na interface do eixo comunicação entre o mundo concreto-público e o abstrato-privado, podendo ser direcionada para educação biopsicossocial na busca de melhorar nossa atuação na sociedade, fornecendo consciência da atuação subjetiva em nossa expressão. 

Palavras-chave: arte-educação, psicologia, comunicação. 



1 INTRODUÇÃO 


Enquanto humanidade estamos sempre em busca de respostas, explorando o mundo geopolítico e o que é próprio ao sujeito, o biopsicossocial. São muitas inquietações e necessidades a serem supridas, seja por curiosidade de funcionamento ou por aperfeiçoamento daquilo que já sabemos. Em analogia ao hominídeo, a sociedade é um grande organismo vivo em que a atuação dos sistemas celulares (sujeitos) produz expressões ora produtivas ora sintomáticas. 

A figura de linguagem utilizada serve para introduzir a proposta desta pesquisa, que visa compreender as dificuldades que a humanidade tem em se expressar e compreender a comunicação com clareza e como a arte pode atuar nos processos psíquicos no processo compreensão/comunicação e a interferência desses processos no ensino-aprendizagem. 

Tratando da forma com que percebemos a arte, BAÉRE et al (2016), esclarecem que historicamente o conhecimento é teorizado como o resultado de informações e experiências mediadas pelos sentidos, é o empirismo buscando na relação entre estímulos físicos e sensações relatadas, a compreensão do funcionamento dos órgãos do sentido. Sob o olhar da filosofia do século XX, os autores citam a perspectiva do filósofo Gilbert Ryle sobre as sensações. Ele afirmava que quando sentimos dores, elas não passam pelos órgãos da sensação, ou seja, ninguém vê, ouve ou toca a dor para identificá-la como dor, as pessoas sentem a dor, dessa forma, as sensações estão relacionadas em como são percebidas pelos sentidos e como se relacionam como os órgãos dos sentidos. 

Dessa forma, quando sentimos algo, físico ou emocional e precisamos explicar essa sensação ou sentimento, precisamos de referências culturalmente comuns aos sujeitos envolvidos no processo dialógico, a fim de se fazer entender. Logo, o mais comum e até sensato, é utilizar das figuras de linguagem, como as metáforas. Os exemplos a seguir, facilitam a compreensão: “É como se aquela imagem atravessasse a tela e penetrasse em minha alma, de tão profunda, uma grande experiência!” “A dor que sentia era como se houvesse duas facas enfiadas em minhas costas enquanto eu me deitava sobre elas!” 

Apoiado nessas figuras de linguagem que o ouvinte pode se aproximar de compreender a subjetividade envolvida na experiência narrada. Os relatos demonstram a experiência e aprendizagem cognitiva, física e subjetiva. Retratados de maneira genérica, porém o mais específico possível, o que foi sentido, apreendido, experimentado, modelado, decodificado e traduzido pelo sujeito, sempre único e específico. A sensação do sujeito saí do íntimo e particular para ser representada por ideias e pensamentos do coletivo. 

MCGUINNESS (2006) demonstra em seu trabalho a importância dos estímulos para o desenvolvimento e do entendimento daquilo que se ouve para que haja a produção da fala. É preciso ter o material biológico/genético bem desenvolvido e a interação verbal com o meio, ouvindo as palavras e ofertando o significado das mesmas, pois uma palavra solta sem contexto e significado é apenas um símbolo, o conteúdo que ela (a palavra) carrega é que vai atribuir o estímulo necessário para haja desenvolvimento linguístico. Estímulos para o desenvolvimento biopsicossocial é a essência da aprendizagem, que atualmente pode ser comprovado com certo grau de requinte pela neurociência, os autores COSENZA E GUERRA (2011), conceituam a aprendizagem como consequência de uma facilitação da passagem da informação ao longo das sinapses, local onde ocorre a passagem da informação entre as células. 

Constata-se que é preciso ter boa capacidade na percepção, compreensão, comunicação e expressão para se fazer compreendido. Toda a humanidade passa por essa experiência na interação com o outro. Nossa comunicação é imperfeita e incapaz de expressar significado e significante, tanto na fala quanto na escrita, precisamos de contexto, explicações, alegorias, entonações, expressões faciais e gestuais; e ainda assim não há garantia de que o outro irá compreender o que se pensa dizer. O referencial de quem recebe a informação sempre passará por seu processo histórico de aprendizagem e compreensão. Um sujeito em estado de felicidade ou grande alegria, tenderá compreender uma história de forma positiva, nesse mesmo sentido, um sujeito que se encontra triste tenderá compreender a mesma história negativamente. Educar a percepção e a compreensão com a arte na direção do desenvolvimento intra e interpessoal é uma proposta para um desenvolvimento humano mais pleno e psiquicamente saudável, refletindo seus resultados na família e na sociedade. 



2 OBJETIVOS 


O objetivo desse trabalho é o de compreender como a arte pode colaborar para o desenvolvimento humano e na psicoeducação do sujeito. Tomando como base, a expressão da arte como imagem: foto, vídeo, desenho e pintura. A investigação e pesquisa visaram conferir se pela arte é possível melhorar o desenvolvimento da percepção, das relações sociais e da comunicação intra e interpessoal, resultando em melhores condições de aprendizagem e compreensão do mundo em que se está inserido. A ideia central é compreender o arcabouço sistêmico e psicológico que as imagens podem produzir no cotidiano da aprendizagem e na construção das relações humanas, pela via da comunicação, além de sensibilizar a comunicação ampliando-a além do eu, tendo a arte como facilitadora da aprendizagem de outras áreas do saber. 



3 METODOLOGIA 


Tomou-se como base pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico de autores como Vigotsky, Read, Araújo e Rogers, além do depoimento em vídeo de Ana Mae Barbosa, no Seminário Arte, Cultura e Educação na América Latina em 2018. Os dados foram analisados a partir da hipótese levantada, de que a arte apresentada no formato de imagens, seja uma fotografia ou na produção de um desenho ou pintura, produziria efeitos psíquicos específicos que capacitariam acessar e criar correlações de aprendizagens anteriores, melhorando a relação do ensino-aprendizagem, além de promover melhores condições na compreensão do outro e de si próprio, bem como melhorar a comunicação e expressão. 



4 DESENVOLVIMENTO 


O desenvolvido desse artigo se apoia no interesse dos processos subjetivos que envolvam a arte e a comunicação e a correlação com a expressão e aprendizagem na sociedade, especialmente na educação escolar. A arte e a comunicação estão entrelaçadas e se movimentam livremente em músicas, poesias, animações, filmes, dança, embalagens de produtos, móveis, quadros, roupas, adereços, cartazes, placas, dentre tantos outros. 

FREITAS e FLORES (2016), afirmam que o objetivo da psicologia da arte é o de descrever, interpretar e explicar fenômenos psicológicos nos âmbitos da criação e da apreciação artística. Explicam que a arte é fundamental para a vida humana. Seu uso é amplo, podendo ser excelente estratégia para atividades terapêuticas como ferramenta de acesso as memórias afetivas mais profundas, aparece na forma de metáfora, conteúdo imagético para adequação contextual. A arte está em diálogo com a psicologia e por ela é investigada. 

O mundo atual é naturalmente grafado, permeado por arte e palavras que comunicam, ensinam, projetam, condicionam desejos e regras de vestimenta, comportamento e expressão. Sendo totalmente relevante em nossa sociedade. Para ARAÚJO (2004), nossa linguagem é muito mais do que combinar e decodificar signos, visto que toda a nossa realidade é simbólica, no mais amplo sentido, pois nossa interação com o mundo é baseada na interpretação, seja da cultura ou da natureza, fazemos a leitura do ambiente que interagimos e tornamos compreensível para comunicá-la da maneira mais eficiente possível para o que queremos expressar. Comunicamos algo a alguém com algum interesse e objetivo, somos seres sociais e a comunicação tem em si o valor social, segundo a autora é o discurso em suas múltiplas funções. 

O discurso é uma representação do que queremos expressar, logo não é a expressão completa. Na tentativa de expressar melhor, desenvolvemos várias formas de representar o que compreendemos do mundo. E quando exercemos da palavra para expressar algo, estamos, de acordo com VIGOTSKY (2010), expressando de maneira original o que está contido em nossa consciência. Seu significado é dinâmico, a depender do desenvolvimento do sujeito e da sociedade, pois o pensamento é mutável e se realiza na palavra. Em seu livro da Psicologia da arte, VIGOTSKY (1999), afirma que a linguagem, os costumes e os mitos fazem parte da atividade do psiquismo social. Sendo assim, a arte sistematiza o campo dos sentimentos do ser humano social. Para o autor, a arte transita entre os aspectos da psicologia subjetiva (emoções e sentimentos) e da psicologia da arte (expressão no mundo). 

Para DUCHASTEL (2010), é possível relacionar a obra de arte com a palavra, em que a imagem se relaciona ao conteúdo de sua representação e a palavra está ligada ao conceito. Ambas transmitem algo, comunicam uma ideia, e produzem no sujeito além da simples correspondência com o objeto, possibilitando a correlação entre o objeto e nossas experiências anteriores e com objetos iguais ou semelhantes. Junto dessa memória há o correspondente emocional desenvolvido nessa dialética. Oferece ao sujeito um meio em que possa reconhecer os seus padrões e objetiva que o indivíduo consiga lidar com seus conteúdos internos na direção do equilíbrio. As artes nos permitem, por meio do simbólico, exprimir os segredos mais profundos. 

BUENO e BATISTELA (2015) explicam que possuímos variados tipos de memórias, e que memórias de eventos pessoais como o nascimento de um filho, diferem das memórias dos conteúdos que aprendidos na escola e que possibilitam ao leitor deste texto a compreensão do significado de cada palavra, além do sentido total do texto; aqui, a memória semântica é ativada, é produto da produção de conhecimento da sociedade. No primeiro exemplo, a memória episódica é a que registra momentos específicos das experiências pessoais com detalhes da percepção de cada um, com localização no espaço-tempo e afetos envolvidos. Assim, quando nos lembramos de eventos pessoais nossa memória nos entrega um pacote completo, desde que tenha sido significativo. Nossas memórias podem ser evocadas conscientemente ou por familiaridade, ou seja, frente a situações, cheiros, cores e palavras, dentre outros que evoquem tais lembranças. A arte é capaz de evocar ambas as memórias. 

Nossas lembranças estão condicionadas a signos, símbolos e afetividade, CHEVALIER e GHEERBRANT (2020), afirma que os símbolos revelam segredos do inconsciente, participam ativamente de nossa vida, do momento em que despertamos ao adormecer, dando forma a desejos, modelam comportamentos, estão presentes em técnicas de venda e da política, participam ativamente em todas as ciências da humanidade e de todas as formas de arte. Vivemos num mundo permeado com símbolos geradores de crenças e entendimentos tanto culturais quanto pessoais, ou seja, esses símbolos produzem em cada indivíduo um resultado. O autor defende que o símbolo tem o poder de sintetizar expressão do consciente e do inconsciente, é pleno de realidades concretas, possui emoção, sentimento, sentido e é dinâmico. 

Toda ação humana é relativa aos signos e a significação, ou seja, somos uma espécie que denomina e significa o que já existe como a natureza, o que sente, o que faz, o que cria, interpretando de acordo com sua bagagem, envolvendo tudo o que aprendeu sobre o mundo, sobre si e a sua capacidade de ser um bom comunicador, segundo ARAÚJO (2019). Porém, nada disso é suficiente se não houver o desejo e a intenção de comunicar para explicar algo a alguém. Quando o desejo está envolvido, há questões emocionais que o fundamentam, dessa forma, um sujeito em desequilíbrio emocional pode se encontrar sem vontade e/ou com dificuldade de se expressar. Para tais casos, a arte pode ser utilizada como ferramenta de acesso ao sujeito, como recurso de expressão emocional. Um jeito de encontrar a potência, restaurar a saúde e o desejo onde a dor faz morada. 

Quanto à função da arte na educação, READ (2020), expande o significado cunhado pelo filósofo grego Platão, que afirmou que a arte deve ser a base da educação. Ele define o objetivo da educação a partir do processo dicotômico a que serve, ou seja, o ser humano deveria ser educado para se tornar o que é; e deveria ser educado para se tornar o que não é. No primeiro aspecto o ser humano nasceria com potencialidades, que para si próprio possui caráter positivo, e que devem ser desenvolvidas a partir do suporte de uma sociedade suficientemente liberal, permitindo assim, a variação de tipos. No segundo aspecto, o autor ressalta que as idiossincrasias apresentadas pelo sujeito, que não estejam em conformidade com as tradições da sociedade vigente, devem ser erradicadas pelo professor. Dessa forma, particularidades neurológicas e o desenvolvimento psicossocial oferecem ao sujeito determinados comportamentos e sentimentos como agressividade, ansiedade, ciúme e medo dentre outros, que podem ser aprendidos e controlados, para que se tenha bom desenvolvimento e adaptação social. Quando uma criança chega ao mundo não temos nenhum vestígio de como irá se desenvolver, se comportar ou sentir. 

Quando pensamos no objetivo da educação é necessário pensar em sociedade. A exemplo de nossa sociedade atual, a pesquisa apoia-se na expressão democrática da educação, que carrega em essência o individualismo, a variedade e a diferenciação orgânica, e por isso, uma concepção libertária, que por consequência promove o objetivo da educação para o de desenvolvimento da singularidade e consciência social. Para READ (2020), A singularidade de cada sujeito é de grande valor para a comunidade, pois pode contribuir de maneira única para o desenvolvimento social. Estímulos de incentivo e investimento no desenvolvimento individual e social pela educação é a base para que seja possível diminuir os impulsos egoístas e antissociais que constituem nossa atual sociedade. A parte mais importante da educação é a orientação psicológica, o ajustamento do mundo subjetivo ao mundo objetivo, e por isso mesmo a educação voltada a sensibilidade estética é importante. 

O desequilíbrio entre a inteligência, julgamento e a compreensão da subjetividade leva o sujeito ao desequilíbrio da personalidade, é através da integração do ser humano que evitamos sistemas arbitrários de pensamentos que se apoiam no dogmatismo racional, que procuram impor um modelo lógico ao mundo da vida orgânica. Tratando-se da experiência humana, o autor apresenta que experiência somática deve ser levada em consideração, pois há resultados imagéticos que derivam de um conjunto de percepções nervosas e musculares, inclusive nos sujeitos com deficiência visual. 

Para VIGOTSKY (1999), a arte desperta a vivência, é possível provar o que a arte diz através do sentir. O autor especifica que as emoções desempenham grande peso na criação artística, a imagem tem a capacidade de gerar emoções de dor, tristeza, desespero, amor, comoção, compaixão etc. Confere a arte um papel específico de atuação no campo dos sentimentos no psiquismo do homem social. Dessa forma, quando o sujeito se expressa pela arte, não fala apenas de sua arte, mas de um conjunto psíquico social permeado de elementos de outros tempos, que é reestruturado pela compreensão do particular para aparecer renovado no social. A arte assume o caráter social e emocional do ser humano. 

Aprender sobre a arte na escola é caminhar pelas marcas simbólicas deixadas pelos artistas [...] (IAVELBERG, 2017 p. 170) 

A autora IAVELBERG (2017), objetiva a arte estruturada como via de aprendizagem escolar, um caminho para o desenvolvimento do simbólico da humanidade de outros tempos, aprendendo sobre as diferenças e similaridades culturais. Nesse percurso podem ocorrer estranhamento, provocações, simpatia, encantamento etc., ou seja, gerando inquietação no seu próprio mundo simbólico, expandindo-o. Pela arte podemos trabalhar a questão das diferenças sociais, étnicas, de gênero, comportamentais, emocionais, religiosas, políticas, da estrutura geopolítica atual. Valorizar a arte na educação é valorizar nossa história humana. Desenvolver o olhar para a arte é ampliar e simultaneamente resgatar a sensibilidade humana para uma releitura da nossa espécie. 

Com essa concepção do sensível que a arte infunde, pesquisas práticas foram realizadas em algumas escolas do Canadá, que de acordo com GRAUER (2010), trabalharam para desenvolver a ideia central da aprendizagem através da arte. O trabalho consistiu em levar às escolas de ensino fundamental, artistas para trabalhar em conjunto com professores da educação básica, estratégias em que as crianças pudessem se envolver com projetos pensados para desenvolver a compreensão de outras áreas do saber, como a matemática, a escrita, história etc. Um dos trabalhos desenvolvidos foi a escultura que contava uma história, e após o término do processo as crianças escreviam a narrativa dessa história trabalhada. A pesquisa teve alguns vieses, como dificuldade dos professores da escola em compreender a profundidade das tarefas artísticas, apesar disso, os professores relataram que foi perceptível a motivação e engajamento dos alunos frente a aprendizagem pela arte. 



5 RESULTADOS 


Tornou-se evidente a estrutura que a arte pode oferecer ao desenvolvimento humano e o quanto somos capazes de nos expressar, comunicar, aprender e nos desenvolver pelas múltiplas ferramentas artísticas. A arte fornece acesso a educação da sensibilidade humana e condições de acessar conteúdos sensíveis e esquecidos, mas que se manifestam por angústia, depressão da vontade, sentimentos de desânimo e menos valia. A Arteterapia é uma técnica terapêutica da psicologia que permite ao sujeito falar quando as palavras não comunicam, movimenta o simbólico e instrui o sujeito sobre suas próprias demandas, conduzindo-o ao autoconhecimento, possibilitando aprender sobre suas potencialidades. 

Nos processos escolares, é possível afirmar que não se faz educação sem cultura e não se faz cultura sem educação (BARBOSA, 2018). Da mesma forma que a cultura está contida na educação, a arte também está contida na cultura. Nosso mundo é grafado e não é possível pensar em educação e cultura sem pensar na arte. A relação arte e cultura é um encadeamento expressivo. A arte se apropria das diversas formas culturais do passado e do presente mediando o simbólico, o linguístico e o cultural, podendo projetar algo de futuro na sociedade. A psicologia sócio-histórica compreende essas relações e se apropria de trabalhar no resultado dessas aprendizagens e expressões tanto no sujeito quanto na sociedade. Pela nossa própria história desenvolvemos cultura, aprendizagens e escolas, mantendo a nossa espécie longe da extinção. 



6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 


A aplicação de técnicas artísticas que integram o conhecimento sócio-histórico da psicologia à educação, seja formal no âmbito formal (escolar) ou informal em espaços comunitários ou na recuperação de sujeitos que apresentem comprometimento de suas emoções, a arte se demonstra ser ferramenta eficaz. Através da arte é possível comunicar, explorar culturas antigas, atuais e de outros continentes, ampliando horizontes e possibilitando aprendizagens efetivas na construção de um ser humano mais completo e consciente. A arte proporciona ao sujeito o refinamento da percepção, o afloramento do sensível, trocas afetivas significativas, compreensão de sua individualidade, do seu espaço e do espaço do outro, que na prática proporciona ao sujeito diferenciar abusos sociais e práticas excludentes que fizeram e ainda fazem parte da nossa sociedade. 

Nem sempre compreendemos o que o outro quer nos comunicar, visto que a significação das situações e palavras ocupa lugar único para quem fala. As artes conseguem desenvolver qualidades sensíveis e criatividade para o desenvolvimento da comunicação e expressão. Por isso, é necessário educar para o sensível, andando na contramão do desenvolvimento tecnológico e inteligência artificial, desenvolver o que é humano se faz necessário para a manutenção de nossa sociedade espécie, com apoio das artes, certamente teremos mais sucesso. 



REFERÊNCIAS 


ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. 

BAÉRE et al. Sensação e Percepção: Fundamentos Históricos e Conceituais. In: FREITAS, Joanneliese de Lucas; FLORES, Eileen Pfeiffer (org). Arte e Psicologia. Curitiba: Juruá, 2016. 

BARBOSA, Ana Mae. Seminário Arte, Cultura e Educação na América Latina. Depoimento gravado em março de 2018 no Itaú Cultural, em São Paulo/SP. In: <https://www.youtube.com/watch?v=ClEbe86yjvk> Acesso em 25.08.21. 

BUENO, Orlando F.A., BATISTELA, Silmara. Sistemas e tipos de memória. In: SANTOS, Flavia H., ANDRADE, Vivian M., BUENO, Orlando F. A. Neuropsicologia Hoje. 2ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2015. 

CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 34ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 2020. 

COSENZA, Ramon M., GUERRA, Leonor B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011. 

DUCHASTEL, Alexandra. O caminho do imaginário: o processo de arte-terapia. São Paulo: Paulus, 2010. 

FREITAS, Joanneliese de Lucas; FLORES, Eileen Pfeiffer (org). Arte e Psicologia. Curitiba: Juruá, 2016. 

GRAUER, Kit et al. Imagens para Compreensão: fotografias de aprendendo através da arte. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. 3° edição. São Paulo: Cortez, 2010. 

IAVELBERG, Rosa. Arte/Educação modernista e pós-modernista: fluxos na sala de aula. Porto Alegre: Penso, 2017. 

MCGUINNESS, Diane. Cultivando um leitor desde o berço: a trajetória de seu filho da linguagem à alfabetização. Rio de Janeiro: Record, 2006. 

READ, Herbert Edward, Sir. A educação pela arte, 2013, 2º edição. Reimpressão. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2020. 

VIGOTSKY, Lev Semenovitch. A construção do pensamento e da linguagem. 2ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A Tecnologia x O Ser Humano Contemporâneo


 imagem retirada do site:


Essa é uma reflexão, que demanda de muita paciência, e que parece estar além do nosso tempo, visto que paciência e tempo, podem ser considerados "artigos" de luxo.Fica perceptível que a noção de completude humana, vem se perdendo com o avanço das tecnologias, principalmente as que afetam o tempo e o espaço.Pensando no fator tempo, é possível relacionar como as relações comerciais foram afetadas com o emprego da tecnologia na área da aviação, que transformou distâncias continentais, antes improváveis a algumas horas de distância, possibilitando realizar negociações antes impensadas.

Se levarmos essa relação da tecnologia-tempo para as relações pessoais, temos a comunicação humana como a principal fonte de transformação e transição, em que é possível pontuar como a mais líquida das situações pós-modernas, e a mais afetada pelo fator tempo, e a que talvez esteja impactando em maior grau, a psiquê humana, favorecendo o aparecimento de transtornos como o déficit de atenção ou a depressão.


A forma de se comunicar do ser humano, desde a introdução da linguagem escrita, vem se transformando rapidamente, principalmente a partir da invenção da prensa, possibilitando o avanço da distribuição do conhecimento, e ampliando o poder de atuação do cidadão na comunicação da sociedade com a circulação de jornais e revistas. Com o surgimento da internet, essa questão se ampliou de forma vertiginosa e deu a oportunidade de todos terem a oportunidade de expor suas opiniões, de ter algo a expor para alguém, e com o advento dos smartphones, todos podem ter contato com o que acontece ao redor de todo o mundo em questão de segundos, e possibilitando que as conversas, que antes tinham hora e data para acontecer, ocorra de forma instantânea, facilitando por um lado e criando uma fragmentação do ser humano, de sua cognição e do seu afeto, por outro.


Sendo assim, vivemos numa dicotomia entre a rapidez em que as transformações tecnológicas ocorrem, nos brindando com facilidades e diminuindo distâncias , versus o tempo biológico que a nossa espécie precisa para atingir a maturidade neurológica para desenvolver processos cognitivos e afetivos de qualidade, ou seja, estamos criando um tempo externo a nós muito mais rápido e líquido que os nossos processos internos, nossa biologia e afetividade não possui a liquidez necessária para acompanhar essas interações, e com isso estamos afetando o desenvolvimento de nossas crianças e a capacidade de nos sentirmos inteiros nas relações com o outro, com a sociedade e conosco mesmos, deixando assim um rastro de "faltas" e de "vazios" que se transformam em dor psíquica, que é o grande mal da contemporaneidade.


Creio que em algum momento teremos que refletir sobre as questões que mais importam a nós, criar processos cada vez mais rápidos ou possibilitar sermos humanos completos.


OBS.: conceito de liquidez, relaciona-se a modernidade líquida de Baumman



quarta-feira, 12 de abril de 2017

A Inteligência


A inteligência é algo tão curioso para o ser humano que as vezes se torna até engraçado como é vista, pensada e pesquisada. Acreditem ou não, mas não existe uma definição única sobre inteligência e a cada época surgem algumas definições sobre a ‘dita’. Houve época que os inteligentes eram os que tinham o maior crânio (sim, os cientistas mediam as cabeças!!!), houve época em que as profissões eram escolhidas por testes e os resultados obedecidos, mesmo que a pessoa não tivesse a menor habilidade ou vontade de exercer tal profissão, os testes ganhavam a guerra. E mais recente em nosso mundo e ainda utilizado temos as testagens da psicologia, onde o Q.I. é um dos mais conhecidos, havendo escalas e denominações diferentes para idades e situações.

Confesso que tenho um tanto de receio de testes padronizados, mas como esse não é o foco desse artigo, vamos seguir em frente.
Vou especificar algumas definições científicas acerca da inteligência, para que possam ver o quanto o assunto é extenso.

·        Para o Dicionário Aurélio:
1.     Faculdade de aprender, apreender ou compreender; percepção, apreensão, intelecto, intelectualidade.
2.     Qualidade ou capacidade de compreender e adaptar-se facilmente; capacidade, penetração, agudeza, perspicácia.
3.     Maneira de entender ou interpretar; interpretação.
4.     Acordo, harmonia, entendimento recíproco.
5.     Destreza mental; habilidade.
6.     Capacidade de resolver situações problemáticas novas mediante reestruturação dos dados perceptivos.

·        De acordo com a Wikipédia é a capacidade mental de raciocinar, planejar, resolver problemas, abstrair ideias, compreender ideias e linguagens e aprender. Embora pessoas leigas geralmente percebam o conceito de inteligência sob um âmbito maior, na Psicologia, o estudo da inteligência geralmente entende que este conceito não compreende a criatividade, o caráter ou a sabedoria. Conforme a definição que se tome, pode ser considerado um dos aspectos da personalidade.

·        Já Alencar e Fleith (2001) citam definições dadas por pesquisadores da área em um simpósio em 1921 como exemplo do pensamento da época, sendo eles:
1.     Colvin explica que é a habilidade de aprender a ajustar-se ao meio ambiente.
2.     Haggerty é um dos grupos de processos mentais complexos tradicionalmente definidos, como sensação, percepção, memória, imaginação, discriminação, julgamento e raciocínio.
3.     E para Woodrow é uma capacidade adquirida.

·        Freeman e Guenther, neurocientistas (2000), esclarecem que a proposta sobre inteligência mais aceita é a de que é uma maneira individual de organizar e usar conhecimento, e que depende do ambiente físico e social onde se vive.

·        Gardner (2001) definiu em 1983 a inteligência como a habilidade para resolver problemas ou criar produtos valorizados em um ou mais cenários culturais. Sendo que após quase duas décadas de pesquisa, em 2001, define inteligência como um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura.

·        Segunto Cury (2006) a inteligencia é um conjunto de estruturas psicodinâmicas derivadas do amplo funcionamento da mente. É a capacidade de pensar, se emocionar, ter consciência.

·        E por fim, meu conceito (2013), inteligência é uma característica peculiar do pensamento crítico voltado para a criação do novo indenpendente da necessidade; conceitualização daquilo que já existe, e a solução de problemas desde os mais simples na vida diária como os que envolvem a humanidade de forma geral. Tanto a criação, a conceitualização como a resolução podem atuar nas mais diversas áreas como administração, finanças, literatura, matemática, ciências, filosofia, artes, música, expressão corporal e emocional, dentre todas as áreas de atuação do ser humano.

Pensando essas questões podemos concluir que mesmo nesse momento histórico onde tanto sabemos, não conseguimos compreender como um processo inerente a todos os seres humanos funciona plenamente; o cérebro humano opera em seus detalhes e possui capacidades desconhecidas a nós que fazemos uso diário dele, quão poderosa pode ser essa ferramenta?

Acredito que haja infinidade de possibilidades para o nosso cérebro, capaz de adaptações e evolução, e possivelmente expansão, como saberemos? Só o tempo nos dirá, temos que continuar nossa linha histórica, simples assim.
Em termos de senso comum também há várias formas de se ver a inteligência e uma bem comum é separar a pessoa inteligente do esperto, classificando a esperteza num nível diferente de habilidade, a pessoa inteligente é aquela que vai bem na escola e tira notas A ou 10 em tudo e o esperto é aquele que se vira bem quase sempre sem estudar e que sempre dá um jeitinho para resolver situações no dia a dia.

Infelizmente esse senso comum aliado a alguns conceitos científicos antiquados acabam por criar situações desconfortáveis pra muita gente. Presenciei alguns episódios onde pais dividem as qualificações dos filhos quanto a inteligência, denominando um de inteligente e o outro de esperto.
Como crescem essas crianças, sendo diariamente reforçadas por conceitos errôneos de capacidade intelectual?

Provavelmente uma crescerá com excelente auto estima com relação a sua capacidade intelectual, cognitiva e acadêmica, e a cada boa nota mais comprovação de todas as afirmações já feitas nesse sentido.
A outra criança provavelmente crescerá acreditando que é boa em se safar das situações, se perceberá com um bom jogo de cintura na resolução de problemas e passará sempre raspando nas médias escolares, e a cada 5,0 que tirar estará reforçando o que lhe é dito em casa.

É preciso melhorar a percepção que temos do outro e das capacidades desse outro, seja ele nossos filhos, vizinho, amigo, aluno, dentre outras formas sociais de convivência, cada vez que criamos esse tipo de conceituação sobre como o outro é e onde ele se encaixa estamos rotulando uma pessoa e a convencendo que ela é dessa forma, fazendo-a viver dentro dessa caixa por muito tempo de sua vida, como se essa pessoa fosse desprovido de emoções e tudo aquilo que recebe do mundo fosse apenas uma base de dados.

A inteligência humana é muito mais do que tirar um 10 na escola, é muito mais do que acertar na profissão, de ganhar dinheiro, a inteligência envolve inúmeras capacidades que vão desde conseguir fazer o planejamento para o almoço até se manter vivo com todas as situações que podem ocorrer em um dia comum de alguém, passando por inúmeras variáveis e não deveria de forma alguma estar sob o julgo ou medição de ninguém, pois tudo isso vai depender da construção de vida, das condições ambientais que foram oferecidas a essa pessoa, o meio em que se cresce influencia muito, as emoções que permeiam nosso ser caracterizam nossas expectativas e nossa visão de mundo, logo nossa percepção é baseada em fatos que nos foram entregues, ensinados e reforçados constantemente e aliados ao nosso sentir, basta uma crença corruptiva para que nosso sistema entre em falência.

A ciência precisa separar e fragmentar as situações para estudo e compreensão, e isso é sensacional, mas vejo que antes de entregar o resultado é preciso reconstruir e fechar os conceitos de forma a ver o todo e não somente uma parte.


Todos nós somos inteligentes com suas próprias características, somos únicos e capazes de conquistas pessoais e sociais, não podemos ser especialistas em tudo e por isso mesmo cada qual com o seu espaço e diferença, o importante é saber que essas diferenças estão aí para nos completar e não nos afastar, somos animais sociais e essa complementariedade vem bem a calhar, não acham?

Quer me ouvir a esse respeito, acesse esse vídeo no YouTube

Ausência de comunicação na família e os reflexos na convivência social

ANAIS DO CONGRESSO INTERNACIONAL MOVIMENTOS DOCENTES Volume VI – 2021  pg. 733 ISBN: 978-65-88471-34-0 DOI: 10.47247/VV/MD/88471.34.0   RESU...